Impacto fêmoro-acetabular e Lesão do labrum
O que é Impacto Fêmoro-Acetabular
A definição simplista de Impacto fêmoro-acetabular (IFA) o descreve como o contato (colisão) anômalo e repetitivo entre o fêmur (osso da coxa) e o acetábulo (cavidade da bacia).

Figura 1: demonstração do mecanismo de lesão do labrum pelo impacto fêmoro-acetabular quando realiza-se a flexão do quadril (sentar, cruzar pernas, dirigir, agachar, por exemplo).
Em seu conceito mais atual e completo, 5 elementos importantes costumam fazer parte do quadro:
- Deformidade anatômica do fêmur e/ou acetábulo;
- Contato anormal entre estas duas estruturas;
- Movimento supra-fisiológico, vigoroso (muito amplos, extremos);
- Movimento repetitivo, com estímulo negativo contínuo; e
- Presença de lesão de tecidos não-ósseos resultante.
O IFA pode ser apenas funcional (sem deformidades), como nos casos de alterações posturais ou esportes/atividades laborais específicos, ou estrutural (clássico, com alteração anatômica), conforme descrito acima.

Figura 2: esquema mostrando os principais tipos de impacto por alteração anatômica – Pincer (deformidade no acetábulo), Came (perda da esfericidade no fêmur) ou Misto.

Figura 3: tomografia computadorizada tridimensional destacando (círculo vermelho) a deformidade tipo Came no fêmur, a mais comum.
O que é labrum
O labrum acetabular é fundamental para o bom funcionamento do quadril. Trata-se de uma fibrocartilagem que circunda toda a margem acetabular, aderida a esta, com funções essenciais:
- aumentar a área de cobertura da cabeça femoral, conferindo maior estabilidade;
- auxiliar na distribuição de cargas na articulação;
- preservar o “selo articular” (a lubrificação adequada da junta, que garante a nutrição da cartilagem e o movimento com mínimo atrito).
As lesões do labrum podem ser causadas por:
- degeneração articular (“envelhecimento” ou desgaste pelo uso – artrose);
- movimentos repetitivos de flexão do quadril, como em ciclistas;
- trauma agudo, como uma queda ou um chute inadequado;
- sequelas de doenças da infância (displasia do quadril, Legg-Calvé-Perthes ou epifisiólise).
Na grande maioria dos casos estão associadas ao Impacto fêmoro-acetabular.

Figura 4: esquema mostrando labrum inflamado e rompido e seu aspecto após o tratamento.

Figura 5: visão intra-operatória através da micro-câmera durante vídeo-artroscopia do quadril. À esquerda, instrumento mostrando labrum instável; à direita, aspecto após correção do impacto ósseo e realização de ponto para estabilização do labrum.
Quais os sintomas?
O principal sintoma é dor, muitas vezes acompanhada de dificuldade para cruzar a perna e agachar-se.
A dor pode aparecer em todas as regiões do quadril (anterior, virilha, lateral, nádega) e irradiar para coxa, joelho e coluna lombar.
O paciente pode sentir limitações para entrar e sair do carro, subir na bicicleta ou moto, subir degraus, alongar-se, chutar ou ficar sentado por muito tempo.
Por que se preocupar?
O Impacto Fêmoro-Acetabular é o principal responsável pelas queixas de dor inguinal e degeneração articular (artrose) do quadril no adulto jovem.
Em virtude das alterações biomecânicas que gera, está frequentemente vinculado a:
- lesão do labrum acetabular;
- disfunção muscular e ligamentar da pelve (dor pélvica crônica);
- problemas na coluna lombar, púbis e joelhos (lesão do ligamento cruzado anterior, tendinites, condromalácia).
Esta associação IFA-lesão do labrum responde como causa de mais de 60% dos casos de artrose do quadril em pacientes abaixo de 60 anos.
Como tratar?
O tratamento destas condições deve ser minuciosamente avaliado em conjunto com o paciente, na busca por identificar as causas corretas.
Individualizar a proposta terapêutica é mandatório, entendendo qual é a demanda funcional e expectativa deste paciente.
Desta forma, o sucesso é alcançado na extrema maioria (quase totalidade) dos casos.
Diferente da maior parte das doenças, nos casos de Impacto fêmoro-acetabular/lesão do labrum, o tratamento cirúrgico é indicado com certa frequência, pois atinge acima de 80% de satisfação e retorno ao nível de atividade/esportivo pré-lesão.
A vídeo-artroscopia do quadril é o procedimento de escolha – Saiba mais.

Figura 6: esquema mostrando como é corrigida a deformidade óssea durante a artroscopia. Utiliza-se instrumento especial (“shaver”) para esculpir o osso alterado, devolvendo o formato adequado.

Figura 7: imagem radiográfica de fêmur com deformidade, gerando impacto fêmoro-acetabular. Acima e à esquerda, a seta mostra a alteração do fêmur (antes da cirurgia) e na imagem ao lado, na mesma posição, o aspecto após a correção. Abaixo e à esquerda, imagem durante a cirurgia (antes de iniciar a correção), destacando o planejamento de ressecção; à direita, resultado alcançado conforme o planejado (pode-se ver, inclusive, a lâmina de “shaver” e a ótica artroscópica).

Figura 8: radiografia de quadril com impacto – o paciente se queixava de limitação para atividades físicas. À esquerda, grande calcificação no acetábulo (seta) e pequena alteração no fêmur. À direita, aspecto após correção de ambos os problemas.
O tratamento conservador é reservado para casos selecionados, especialmente os de IFA funcionais (sem deformidades).
Quando o paciente está disposto a aceitar determinadas modificações de hábitos e eventuais limitações o tratamento não-cirúrgico pode ser a opção.
Cuidado
Muitos pacientes são diagnosticados tardiamente, quando o quadro clínico já está avançado, pois não deram importância às suas próprias queixas ou foram tratados durante anos erroneamente como “estiramentos musculares”,“bursites” ou até “hérnia de disco”.
O paciente deve ser esclarecido e conscientizado sobre a potencial evolução desfavorável em caso de ausência de tratamento (para artrose, por exemplo).
Uma avaliação médica especializada é muito importante, para diagnóstico preciso e precoce, reduzindo o risco de doenças crônicas.